Santiago de Compostela e do autoconhecimento

Guilherme Renso

Muito, mas muito além da fé.  Essa foi a certeza que eu tive depois de ter conversado com algumas pessoas que se propuseram ao desafio de fazer o caminho até Santiago de Compostela.  Ao todo, os percursos mais escolhidos são quatro, sendo o Caminho Francês o mais popular. Ele possui 800 quilômetros e o seu início mais tradicional é em Saint-Jean-Pied-de-Por.

Além dele, há também o Caminho Português. Nesse caso, a maioria dos peregrinos começa a jornada pela bela cidade de Porto e a distância até o objetivo final é de aproximadamente 230 quilômetros. As outras duas opções são a rota Norte e o Finisterra, com extremos 850 e 90 quilômetros a serem percorridos.

No entanto, independente do caminho, quem ali está, conforme os viajantes relataram,  busca, sobretudo, um autoconhecimento inatingível na pressa e correria do cotidiano. É como se aquele trajeto não levasse até a Santiago, mas sim a algo ainda maior: um ser humano mais evoluído, física e, principalmente, espiritualmente falando, do que aquele que desembarcou para o início da caminhada.

“A primeira semana foi mais um cansaço físico: dores, bolhas nos pés. Já na segunda, eu estava mais habituado. A pegada, naquele momento, tinha um forte cunho emocional.  A gente, ou pelo menos eu, entra em contato com as emoções. Cheguei a fazer, em um dia, 35 quilômetros, do quais, às vezes, sem ninguém por perto. Era eu e o caminho. Já a terceira semana, quase próximo ao destino final, é puramente espiritual. Tanto que, quando as placas avisam que você está chegando, vem uma leveza plena. Você se desfaz de muita coisa ruim que estava na mente”, explica Fábio Soares, que fez o caminho francês.

Fábio, que hoje está radicado em Portugal, ainda nos contou que conheceu pessoas de todos os cantos do mundo. “Elas se ajudam muito. No final do dia, todos se encontram nos abrigos e hostels para compartilhar como foi aquele dia. Eles compartilham comida também. Essa parte, de ter contato com diferentes povos, foi muito marcante”, completa.  

Quem também passou por essa experiência foi Maria Madalena Flores. Maria optou pelo caminho português e chegou ao destino final em 11 dias. “Meu primeiro passo, ainda no Brasil, foi entrar para uma associação de caminhantes. Lá você troca informações, conversa com quem já foi e assiste a alguns vídeos. Foi uma experiência bem válida, no entanto, nada te prepara a energia de lá, que é positivamente indescritível As pessoas não falam muito durante a caminhada. A linguagem é o sorriso, que incentiva cada vez mais”, relembra Maria.

E é essa energia mencionada por ela, de 57 anos, que hoje a faz iniciar os preparativos para percorrer o caminho Francês no ano que vem.  Dessa vez, Maria quer embarcar sozinha, sem a companhia de amigas que a acompanharam na primeira ocasião. “Não foi pela fé ou só pela fé. É um encontro comigo. Você vai refazendo os seus conceitos, além de conhecer a gastronomia e conhecer alguns lugarejos no caminho”, finaliza.